Kuluthum Mbwana recorda o dia em que os investidores de biocombustíveis chegaram à sua aldeia, Vilabwa, a apenas 70 quilômetros a oeste da capital da Tanzânia. Ela conta que em troca de mais de 8.000 hectares de terra em 11 vilarejos, incluindo Vilabwa, no distrito de Kisarawe, eles prometeram trazer empregos, escolas e clínicas de saúde para sua comunidade.

Kuluthum tinha certeza de que sua vida mudaria para melhor. As crianças de sua aldeia finalmente poderiam estudar em uma escola de verdade. Os vizinhos doentes receberiam cuidados de enfermeiras treinadas ou agentes comunitários de saúde. Novos empregos injetariam dinheiro na economia local.

Mas depois de finalizar um acordo de terras com o governo da Tanzânia em 2009, Kuluthum disse que a empresa britânica Sun Biofuels abandonou seus compromissos com ela e o resto de Vilabwa. As famílias que venderam suas fazendas para a empresa não receberam pagamentos justos por suas terras. Os salários dos novos empregos da Sun Biofuels eram muito baixos para compensar a renda que os aldeões perderam depois de vender suas fazendas para a empresa. Além de um poço raso, uma estrada de terra e algumas lousas portáteis, a Sun Biofuels não entregou serviços sociais à vila de Kuluthum e às comunidades vizinhas no distrito de Kisarawe.

Kuluthum Mbwana. Photo by TGNP Mtandao
Kuluthu Mbwana

Infelizmente, histórias como as de Kuluthum são comuns em toda a África. Conforme a degradação do solo, as mudanças climáticas e o crescimento populacional criam situações problemáticas na terra que sustenta milhões de pessoas, as empresas multinacionais buscam, paralelamente, grandes extensões de terra. No meio de toda esta tensão estão as muitas comunidades rurais e pobres que são deslocadas ou optam por vender suas terras coletivamente mantidas. Muitas vezes, são as mulheres que mais sofrem com isso. 

Em Moçambique, Leonor dos Anjos também luta por causa de promessas não cumpridas. Em 2016, um projeto multimilionário de uma ponte suspensa realocou sua família e forçou a comunidade de Malanga a se instalar em três lugares diferentes. Ao falar com a organização moçambicana sem fins lucrativos Centro Terra Viva, Leonor disse que a empresa estatal que supervisiona a construção da ponte, a Maputo Sul Development Company, se comprometeu a fornecer novas terras, construir uma estrada ligando o seu local de reassentamento à principal via e pagar as famílias por suas casas. Mas assim como a Sun Biofuels, Leonor acredita que a Maputo Sul não cumpriu seus compromissos e sobrecarregou as famílias pobres com encargos financeiros adicionais inesperados.

Uma nova pesquisa do WRI revela que, apesar dos compromissos constitucionais com a igualdade de gênero, os governos da Tanzânia e de Moçambique não estão protegendo as mulheres pobres e rurais de negócios de terras comerciais que acabam sendo prejudiciais. O fracasso das autoridades governamentais em fechar as lacunas nas leis de terras e em revisar as regulamentações ineficientes prejudica as mulheres, que recebem pouco ou nenhum pagamento pela terra de suas famílias. As tentativas dos governos de amplificar suas vozes na tomada de decisões de terras da comunidade também são insuficientes.

Prejudicadas em Negócios de Terras Comerciais

Embora as leis de terras da Tanzânia e de Moçambique exijam que os investidores indenizem as comunidades e famílias afetadas quando adquirem terras coletivamente mantidas, as regulamentações mal concebidas ou executadas de forma incorreta prejudicam as mulheres, que, frequentemente, recebem pouco, ou nenhum, pagamento por suas terras.

Malanga women in Mozambique.

A linguagem neutra em termos de gênero discrimina involuntariamente as mulheres ao exigir que as empresas distribuam indenização no nível familiar, ao chefe de família. Como os homens atuam, tradicionalmente, como chefes de família em ambos os países, somente eles podem apresentar reclamações e cobrar pagamentos em nome de suas famílias. Por exemplo, menos de 15% daqueles que receberam indenização da Sun Biofuels em Vilabwa eram mulheres. Em Malanga, vários maridos separados que deixaram a comunidade receberam cheques que deveriam ter sido destinados às esposas porque o governo ainda os considerava chefes de suas famílias.

Mas mesmo quando as mulheres conseguem obter indenização por suas terras, muitas recebem pagamentos menores do que os homens em suas comunidades. Em Vilabwa, por exemplo, os homens recebem de três a seis vezes mais dinheiro por suas terras do que as mulheres.

Essas disparidades ocorrem por vários motivos: As empresas pagam as pessoas que possuem terras legalmente e, ao contrário dos homens, a maioria das mulheres não tem direitos formais sobre suas terras. Os terrenos que possuem são menores e produzem rendimentos agrícolas mais baixos que os dos homens. E a maioria das mulheres cultiva plantações de subsistência, como a mandioca ou o milho, que as empresas geralmente desvalorizam ou excluem inteiramente de suas avaliações.

Impactadas Negativamente Quando as Comunidades são Reassentadas

As mulheres também lutam mais do que os homens para reconstruir suas vidas e meios de subsistência quando as empresas realocam ou reassentam suas aldeias. Quando as comunidades se mudam, as mulheres, muitas vezes, perdem o acesso aos recursos naturais comunitários — como florestas, rios e pastagens —, mesmo quando continuam responsáveis ​​pela coleta de água, lenha, forragem e plantas medicinais para suas famílias. A falta de acesso a estes recursos pode aumentar a carga de trabalho das mulheres, ameaçar a segurança alimentar das famílias e expô-las ao assédio.

Diante dessas novas dificuldades, muitas mulheres acham que as redes sociais das quais dependem se desgastam quando as comunidades são realocadas. Por exemplo, as garotas geralmente coletam lenha ou água em grupos, enquanto as mães confiam nos vizinhos ou na família para ajudar no cuidado das crianças. Quando as mulheres são separadas de suas redes, elas não têm mais os sistemas de apoio de que precisam para lidar com os desafios diários e gerenciar suas muitas responsabilidades domésticas.

Deixadas de Lado no Processo de Tomada de Decisão da Comunidade sobre Terras

Women in rural Tanzania. Flickr/CIAT

A inclusão das vozes das mulheres nos órgãos locais de tomada de decisões pode ajudar as comunidades a lidar com disparidades de gênero nos programas de indenização e reassentamento, dando-lhes a oportunidade de dizer “sim” ou “não” aos contratos de terras propostos, para ajudar a negociar os processos de avaliação das empresas para assegurar que os investidores não excluam seus ativos das avaliações e para aumentar expor suas preocupações específicas sobre os planos de realocação. Mas nos dois países, os esforços dos governos para melhorar a representação das mulheres estão aquém do esperado.

Na Tanzânia, a lei determina a presença das mulheres nos conselhos das aldeias, mas a cota apenas fornece uma minoria de cadeiras para as mulheres, facilitando a garantia do quórum da reunião sem a participação das mulheres.

Da mesma forma, em Moçambique, a linguagem genérica nas regulamentações fundiárias, como “comunidades locais devem ser consultadas”, não exige que os investidores incluam mulheres no processo de consulta. Muitas decisões importantes sobre a terra, incluindo a venda coletiva de propriedades aos investidores, são tomadas por líderes do sexo masculino ou em reuniões exclusivas para homens. Mesmo se as mulheres comparecerem, muitas ficam em silêncio devido a uma suposição tácita de que os homens falam em nome de toda a comunidade.

O Caminho Adiante

Flickr/USAID

Como Kuluthum e Leonor, muitas vidas e meios de subsistência de mulheres rurais dependem quase inteiramente de suas terras. O avanço de seus direitos à terra—da igualdade de tratamento em transações comerciais de terras a uma melhor representação na tomada de decisões da comunidade—é fundamental para alcançar da igualdade de gênero não apenas na Tanzânia e em Moçambique, mas em países em toda a África.